Frontespício - É só não olhar para baixo
quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013
Gotejando
segunda-feira, 24 de setembro de 2012
O câncer de Jack
quinta-feira, 12 de abril de 2012
Epifania
sexta-feira, 4 de novembro de 2011
De lugar algum
Lucas sentia-se exposto. Estava sendo bombardeado por coisas que sempre estiveram à sua volta e nunca havia percebido. Via as pessoas espremidas tropeçando umas nas outras, ouvia sobre o crime hediondo da noite anterior, sobre quem teria sido o assassino da novela, sobre a modelo grávida, sobre o técnico da seleção, como seria bom se aquele dia fosse sexta-feira, o último filme de heróis, a briga com o chefe, com o colega, com os pais, sobre as gostosas que ficam na porta do trem, mas não conseguem entrar. Via as faces sérias, arrogantes, nulas e sorridentes, gargalhadas em demasia, suor em demasia, oxigênio escasso. Crianças chorando crianças gritando. Quer um chiclé ? Pode me dar licença? Que estação é essa? Será que vai chover?
Era areia fina e branca. Ainda de joelhos seus olhos viam apenas areia à sua frente. Dunas e dunas preenchiam o horizonte.
Lucas limpou-se como pode, caminhou até o primeiro vagão e olhava nas janelas e portas entreabertas. Não havia ninguém, nem mesmo na cabine do operador. Foi até a frente do primeiro vagão e viu os trilhos sendo encobertos por uma pequena duna. Fim da linha. Então ele passou para o outro lado dos trilhos e sua boca abriu-se lentamente. Descobriu a brisa e o cheiro. Ele estava à beira mar sob um céu cinzento sem ovelhas gigantes de algodão. Apenas um tapete cinza encontrando o mar lá no horizonte. Estaria ainda dormindo? Mais um sonho maluco de final de tarde? Ele caminhou pela praia deserta em direção ao mar que vinha sem pressa em pequenas ondas que deixavam a areia com cara de pedra maciça quando as águas recuavam. Ele avançou até que seus pés foram encobertos, a água era gelada como um piso de banheiro em uma manhã de inverno com os pés descalços. Sua maleta foi ao chão. Ele continuou caminhando lentamente. Não seria ainda um sonho. Não se pode sentir odores, você não tem noção de temperatura em sonhos ou pode? O gelo dos pés subiu pelas canelas. Sua maleta passou boiando por ele. – Não é um sonho. – ele repetia para si.
Beliscou-se e sentiu dor. Ainda assim não havia explicação. A água gelada alcançou-lhe os joelhos. Ele parou. O frio tornou-se reconfortante. Lembrou-se que não via o mar há anos. – Isso deveria ser proibido - ele sussurrou com lábios sem voz - tanto tempo sem ver o mar.
segunda-feira, 24 de outubro de 2011
DDA
quarta-feira, 22 de junho de 2011
Contos e trilhas
No salão do Rei da montanha
A chama de sua tocha desenhava grotescas criaturas de sombra nas paredes à medida que Lucius avançava cambaleando pelo estreito corredor, com seus pulmões suplicando por um ar menos denso e pútrido. A bússola e o que sobrou de sua equipe ficaram para trás e nada o faria voltar. Sentia o desespero a abocanhar-lhe os calcanhares. Então as paredes e o teto se distanciaram e ele sentiu que adentrara em algo semelhante a uma câmara e não mais estava na galeria intrincada de corredores. O ar tornou-se insuportável, suas vísceras se retorceram. A chama minguou, denotando a escassez de oxigênio. A câmara era de uma estrutura e acabamento diferente dos corredores. Era em formato de ponta de lança, e suas paredes, embora enegrecidas pelo mofo e poeira, davam a entender que algum dia já haviam conservado alguma beleza. Na parte mais íngreme e pontiaguda, havia algo que era impossível passar despercebido para qualquer um que adentrasse o pórtico de entrada. Era algo semelhante a um assento gigantesco, ornamentado com uma estrutura bizarra e assustadora, como se o esqueleto de algum monstro escabroso estivesse montado logo à sua frente. Seria aquele “O Trono”? Lucius estava preso aos detalhes e não percebeu que havia algo sentado ali observando-o. Alguns passos a mais e ele contemplou a criatura que já se erguia lentamente. Ele sentiu o sangue descer congelando nuca abaixo. O que se movia em sua direção tinha a altura, os membros inferiores e superiores e o caminhar que lembravam um humano. Mas o pouco que se revelava de sua face estava distante de qualquer humanidade. Lucius quis correr, mas seus joelhos travaram e sentiu como se seus pés tivessem criado raízes prendendo-o ao chão. Quanto mais “aquilo” se aproximava, mais a luz enfraquecia, e o pânico assumia o controle do seu corpo. Ele sentiu o sussurro peçonhento de seu anfitrião penetrar em seus tímpanos como facas afiadas:
- Herdeiro. Sucessão.
Lucius sentiu o sangue fugir-lhe das faces, ele percebeu que, de alguma maneira a luz fugia do ser que se aproximava. Estavam a dois passos um do outro, quando em uma atitude desesperada e insana, ele atirou a tocha na cara da criatura. Ele viu no lampejo da tocha a face enegrecida e putrefata com um arremedo de sorriso demoníaco. Lucius sentiu seus intestinos esvaziarem. Ele queria juntar a tocha do chão e correr, mas o desespero o petrificou. A esperança de que tudo fosse um pesadelo e que logo acordaria se esvaiu quando a mão esquálida e gélida tocou seu pescoço e a chama da tocha cedeu às trevas, que consumiram também sua consciência.