terça-feira, 27 de abril de 2010

Cinzento

Estava ali, parada e por entre as sombras ela me olhava. Eu a olhava também, mas via somente um vulto, esperando que fosse alguém. Você sempre pensa que é o rosto de alguém conhecido que dá a forma de um vulto na rua. Não pensa? Da mesma forma que você quer reconhecer todos os pedestres na rua quando se está sentado na janela de um ônibus. E eu fiquei ali tentando encontrar todos os rostos que se encaixavam naquele contorno escuro. Eu estava sendo observado também, mas eu estava visível. Era covardia. E ela fitava a mim tanto quanto eu a ela, mas o que tanto olhava se eu estava à luz? Talvez estivesse esperando um aceno, ou então um daqueles sorrisos que querem dizer a mesma coisa. Ou talvez não estivesse esperando porra nenhuma. Foi o que pensei, virando para o lado. Mas ela ainda estava lá. Eu a sentia olhando. Imóvel. Observando. E no fundo eu sabia que devia ter acenado. Mas eu fiquei cantarolando em palavras mudas uma música que nunca cantei. Afinal, quem acena para vultos ou impressões. Perdi muito naquele dia. Assim como eu sempre penso que perco toda a vez que isso acontece, sempre que eu tento encaixar rostos conhecidos em sombras aleatórias. Como um cego tentando reconhecer a face de uma moeda. Nunca isso foi tão incômodo como naquele dia em que desejei o terrível sol de um dia de verão sobre as sombras daquele entardecer de outono.
E eu sempre coloco a culpa disso tudo na minha falta de visão. Mas naquele dia eu estava de óculos.