Lucas sentia-se exposto. Estava sendo bombardeado por coisas que sempre estiveram à sua volta e nunca havia percebido. Via as pessoas espremidas tropeçando umas nas outras, ouvia sobre o crime hediondo da noite anterior, sobre quem teria sido o assassino da novela, sobre a modelo grávida, sobre o técnico da seleção, como seria bom se aquele dia fosse sexta-feira, o último filme de heróis, a briga com o chefe, com o colega, com os pais, sobre as gostosas que ficam na porta do trem, mas não conseguem entrar. Via as faces sérias, arrogantes, nulas e sorridentes, gargalhadas em demasia, suor em demasia, oxigênio escasso. Crianças chorando crianças gritando. Quer um chiclé ? Pode me dar licença? Que estação é essa? Será que vai chover?
Era areia fina e branca. Ainda de joelhos seus olhos viam apenas areia à sua frente. Dunas e dunas preenchiam o horizonte.
Lucas limpou-se como pode, caminhou até o primeiro vagão e olhava nas janelas e portas entreabertas. Não havia ninguém, nem mesmo na cabine do operador. Foi até a frente do primeiro vagão e viu os trilhos sendo encobertos por uma pequena duna. Fim da linha. Então ele passou para o outro lado dos trilhos e sua boca abriu-se lentamente. Descobriu a brisa e o cheiro. Ele estava à beira mar sob um céu cinzento sem ovelhas gigantes de algodão. Apenas um tapete cinza encontrando o mar lá no horizonte. Estaria ainda dormindo? Mais um sonho maluco de final de tarde? Ele caminhou pela praia deserta em direção ao mar que vinha sem pressa em pequenas ondas que deixavam a areia com cara de pedra maciça quando as águas recuavam. Ele avançou até que seus pés foram encobertos, a água era gelada como um piso de banheiro em uma manhã de inverno com os pés descalços. Sua maleta foi ao chão. Ele continuou caminhando lentamente. Não seria ainda um sonho. Não se pode sentir odores, você não tem noção de temperatura em sonhos ou pode? O gelo dos pés subiu pelas canelas. Sua maleta passou boiando por ele. – Não é um sonho. – ele repetia para si.
Beliscou-se e sentiu dor. Ainda assim não havia explicação. A água gelada alcançou-lhe os joelhos. Ele parou. O frio tornou-se reconfortante. Lembrou-se que não via o mar há anos. – Isso deveria ser proibido - ele sussurrou com lábios sem voz - tanto tempo sem ver o mar.