segunda-feira, 9 de novembro de 2009

A droga da nostalgia

E ouvindo aquele blues eu me lembrei das tardes em que sentava na grama úmida e via o sol se despedindo do dia. Sentia a noite chegando arrepiando meus braços e me fazendo abraçar os joelhos. Tudo era mais simples. Hoje à minha volta só há o concreto e a lógica. Tudo é como tem que ser e isso é lógico. De bom fica esse blues nostálgico em meio a goles de conhaque descendo garganta abaixo feito balas de canhão.

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Contando os pingos

Isso é só a chuva vibrando o telhado. Chuva e vento molhando o zinco castigado pelo sol, aliviando o calor do asfalto, dando fôlego a protozoários e bactérias nas poças d’água. Não se preocupe, é só a chuva apodrecendo as antenas no cume das casas. É a natureza dando-nos mais uma chance. É ela lambendo suas próprias feridas. É a chuva e o vento, fazendo cães se encolherem em suas casinhas, obrigando mendigos a recolherem-se a abrigos mais amplos. A chuva tilintando aqui no telhado é a mesma que cai, limpando os vômitos e mijos de finais de noite nas ruas, levando para a correnteza dos cordões de calçadas tocos de cigarro, panfletos de cartomantes e os jornais velhos que estampam nossas desgraças diárias. É a chuva disfarçando a lágrima e borrando a maquiagem pesada no rosto de mulheres descartáveis que vendem prazeres rápidos nas esquinas. Uma prova de dor para sentirem-se vivas. A chuva que bate na janela é a mesma que enferruja os balanços e gangorras nas praças. A mesma chuva aqui e lá. Então relaxe, meu bem. Tente contar os pingos e durma de novo. Enquanto a chuva e o vento lá fora seguem colocando ordem nas coisas, dando-nos a chance de errar tudo outra vez.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Onde comprar

E o livro Tendências Literárias da ALVALES do qual participo com dois contos ( último post ), já está a venda na Livraria do Trem aqui de São leopoldo. Passa lá toma um café e compra o livro, precinho camarada :D
Fica aqui meu agradecimento ao pessoal da livraria que abre espaço para autores locais nas suas estantes, em especial ao Fabiano que me atendeu lá. Valeu.
Mas também dá pra entrar em contato comigo frontespicio@gmail.com e fazemos qualquer negócio. Em breve um post sobre data e local do lançamento do livro.

segunda-feira, 13 de julho de 2009

O primeiro

Saca só. Esse livro aqui do lado é a minha primeira publicação impressa. Chegou ontem. E acredite, ver seu trabalho em um livro mesmo que não seja um livro solo, é algo impagável. Porque tem o lance do papel, da textura, do cheiro. Estou há alguns anos cheirando livros de outros autores, cheirar o meu foi incrivel ( o que? nunca cheirou um livro?). Vamos ao livro. Essa antologia é uma iniciativa da Academia Literária do Vale do Rio dos Sinos ( ALVALES), e reúne 27 autores. Participo com dois contos, O gelo sobre a Rússia e O último Hendrix. Agradeço às garotas da ALVALES pela oportunidade, em especial à Mardilê Fabre pelo convite.
Em breve maiores informações sobre o lançamento e como adquiri-lo.






domingo, 12 de julho de 2009

Ferrorama

Eu poderia dizer que é uma noite como outra qualquer. Que é mais uma noite que acaba em vinho barato e guitarras estridentes nos meus pequeninos alto-falantes. Mas não é. Eu prefiro dizer (iludir) que estou quebrando uma rotina com outra rotina. Eu estou quebrando a rotina de terminar as noites em vinho barato e guitarras estridentes nos alto-falantes em dias de semana, com a rotina de acabar as noites em vinho barato e guitarras estridentes nos alto-falantes em finais de semana. Essa última frase ficou confusa e parece não ter sentido algum. Mas tem. Nos finais de semana eu posso escrever, ler, ver, ouvir ou vegetar no horário em que todos vão visitar o sonhar. Não preciso ter a preocupação de ter de acordar no outro dia e cumprir com os eventos sociais obrigatórios de todo o cidadão que não é milionário e vive no país do futebol. Não entenda mal, não estou chorando as pitangas aqui. Não é o meu feitio. Eu já saquei há muito tempo como funcionam as coisas. A vida é como ganhar um ferrorama. Antigamente ter um ferrorama em casa era um luxo para poucos. O cara sonhava mil e uma possibilidades com o trenzinho. Quando o guri ganhava o dito cujo, tirava da caixa enorme e montava segundo o manual. A graça terminava em menos de um mês. Porque toda a dinâmica do brinquedo fica restrita ao desenho do percurso dos trilhos. Ai o guri de saco cheio querendo mudar o trajeto do trem, invertia as peças dos trilhos. O que geralmente não acabava bem. E é isso que acontece quando escrevo. Eu esqueço o manual e tento inverter os trilhos. Vendo de longe pode parecer que eu sou um daqueles caras com mil e uma experiências edificantes sobre a vida para contar. Não se engane. Esse não sou eu. Pouco sei sobre a vida. Mas o que coloca em dúvida a minha analogia sobre o ferrorama não é isso. É o fato de que eu nunca tive um ferrorama. Sequer morei perto de alguém que teve um. No tempo do ferrorama eu jogava taco. Poderia ter feito uma analogia sobre o taco. Mas sobre jogar taco eu só tenho a dizer uma coisa: É terrivelmente emocionante.

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Insônia

Algo faz tique-taque, tique-taque... Como um relógio. Ele deixara de usar relógios há anos e ainda ouve um tique-taque. Pode ser o relógio da cozinha. Lembra-se... Está sem pilhas há meses... Ele deveria estar deitado, expulsando o frio dos pés. Mas tem um tique-taque bem ali, na sua cabeça. Ele não sabe se lamenta o excesso de café durante o dia, ou se lamenta ter esquecido de comprar o vinho que o faz dormir.

Passam os dias, trocam as estações, os anos ficam para trás, e nada muda. Só a falta de sono e o tique-taque continuam os mesmos.

sábado, 27 de junho de 2009

Notas de um Corsário

Duas gotas de sangue no chão me encaram enquanto algumas outras caem, tingindo minhas botas de um vermelho púrpura.
O horizonte... Só devo encarar agora o horizonte, e nada vai me abater, nem mesmo o sangue que há em minhas mãos. Sangue de muitos homens e mulheres que agora já não lembro se eram bons ou ruins. Na verdade, não quero lembrar de mais nada, porque agora, estou voltando para casa.
Sem querer, desvio o olhar para o chão outra vez. Vejo que as gotas de sangue das botas uniram-se às gotas de sangue do chão, formando uma pequena poça de um vermelho,agora viscoso. A vaga lembrança de seu abraço, de seus olhos claros e de seu sorriso me faz fixar o horizonte.
O horizonte... Só devo encarar o horizonte, porque agora estou voltando para casa, e nada, nada vai me abater. Um vento úmido toca meu rosto, deixando meus olhos marejados. Desperto, movimento meus pés frios e adormecidos. O sangue no chão já não tem mais a minha atenção. O vento torna-se impetuoso, com ares de tempestade.
- Içar velas! - ressoa minha voz por entre mastros, botes e cabines vazias.
Ondas curiosas erguem-se ao meu redor e inclinam-se sobre mim, querendo saber quem é o tripulante condenado e solitário que corre pelo convés, içando velas nos pés de uma tormenta.
Ergo as velas enquanto ainda sinto minhas mãos que já estão tão frias e pálidas quanto meus pés. Parece suicídio? Não é. Eu só penso no seu afago. É desespero.
Por que eu miro o horizonte e só vejo trevas? Porque estou voltando para casa, e nada pode me abater. Sinto a fúria do vento, apontando-me o dedo, como se soubesse dos meus erros. Mantenho-me firme. Eu também me tenho fúria. Na noite passada, a tripulação caiu tomada de assalto. Todos dizimados. Vi a morte caminhando no convés, por entre gritos e lamentos. Ela sorriu para mim, um sorriso de até logo.
Olho para cima e vejo além da tempestade, pequenos raios de sol, fazendo pequenos ferimentos nas negras nuvens. Nasce um sorriso no meu rosto, o mesmo sol que doura as margens de praias brancas, de águas claras e calmas, que queima teu pé quando pisas descalça, que esquenta teu cabelo todas as manhãs quando abres a janela do teu quarto.
Estou gargalhando agora, enquanto ouço passos atrás de mim em meio à tempestade que perde sua força. Sinto a vida se esvair como um punhado de areia de minhas mãos, como uma vela acessa, lutando contra o vento. Sinto alguém do meu lado. Vejo aquele sorriso de até logo. Sinto uma mão em meu ombro. Olho mais uma vez para cima e vejo as turvas nuvens se distanciando dos raios de sol. Meu corpo desfalece, mas ainda estou sorrindo, porque sinto que finalmente estou chegando em casa.

Um navio avariado e solitário desliza por um mar de águas calmas sob um sol forte, com sonhos e anseios tatuados em suas velas rasgadas, com gaivotas disputando um banquete dependurado no timão. Agarro-me com unhas e dentes na nossa despedida, desejando que nossas vidas não se acabem como nas notas de um corsário.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

E vagabundeando por ai achei esse depósito de pérolas, A Casa do Snoopy . o pessoal da casa se dedica a traduzir em ordem cronológica as tiras da série Peanuts. Achei interessante este traço do inicio dos anos 50 do Charles Schulz.

Dá uma olhada aqui.


Mostra de Curtas (Updated)


quarta-feira, 10 de junho de 2009

Mostra de Curtas

ESPAÇO CURTAS
Mostra de curtas de EVER RIBEIRO
SHOW da Banda CLUBE DO IMPROVISO
No Espaço Bellas Artes
Dia 19/06 - 23hs - Fone 3566 1051
Rua Independência 1213, São Leopoldo
R$ 4,00 (antecipado) R$ 6,00 (no local)

Confira as chamadas para o evento aqui.
Eu vou.

terça-feira, 9 de junho de 2009

Já há algum tempo atrás a Mardilê (Uma grande amiga e incentivadora) me disse:
- Procure ler e escrever micro contos. Visite a revista eletrônica Veredas. É um grande aprendizado.
Pois eu li, fiz algumas tentativas de escrever e até ousei enviar para a tal revista. E vejam só, estou na edição deste mês. O conto é Beethoven e tu podes conferi-lo aqui.

A espera das Gárgulas

Gion estava em queda livre, o vento gelava seu rosto, os olhos lacrimejavam e o chão crescia à sua frente. Encarou o asfalto até o último segundo, então cerrou os dentes com força, quase sangrando seu lábio inferior. E o que parecia uma queda inevitável torna-se um vôo rasante a poucos metros do chão. Ele imprimiu velocidade e logo tomou altura por entre os prédios voando acima das ruas desertas, seus olhos viam o mundo em tons de sépia e as estrelas que outrora eram prateadas pareciam-lhe agora tochas flamejantes, como se cada alma que não habita mais esse mundo tivesse acendido uma vela para iluminar a sua liberdade. Logo começou a ouvir um murmúrio embora não visse ninguém, nem nas ruas e nem nos prédios, poderia ser o barulho do bater de suas asas, mas bater de asas não se parece com grunhidos. Ele planou até o chão e mesmo imóvel continuou ouvindo aquela fala grotesca sussurrada pelo vento no seu ouvido. Foi ai que ele viu Augustine, no topo mais alto, do prédio mais distante, caminhando em cima do parapeito em direção ao nada. Tudo era sépia, menos Augustine que parecia brilhar caminhando de pés descalços como um sonâmbulo na beira de um abismo sem se dar conta que esta estendendo sua mão à morte. Assim que ele a avistou, começou a entender os sussurros que pareciam agora uma oração: “A vida de um, é a eterna solidão de outro. O vôo de um, é a perda das asas para outro, até o dia do grande chamado, até o dia da redenção.”
As palavras se repetiam na sua mente como um mantra satânico. Gion batia suas asas com todas as forças na direção de Augustine, mas ele sentia o peso do mundo em suas costas enquanto ela seguia com passadas largas e lágrimas nos olhos. Ele ainda estava muito distante quando Augustine colocou o pé direito na beira do parapeito e o esquerdo pisou o nada. Ela caiu leve e sem desespero, entregou-se à queda que durou poucos segundos, suas costas encontraram o chão, Gion que pousou logo depois ao seu lado ainda pode escutar seu último suspiro. A pele de Augustine era tão branca quanto o seu vestido, ela encarava X com seus olhos mortificados deitada em um lençol de sangue que se alastrava rapidamente. Seu mundo sépia estava manchado agora com o vermelho púrpura que brotava dela.
O sol perseguia os últimos vestígios de noite que ainda resistiam àquela manhã quando Gion despertou de sobressalto, odiou-se por ter esse sonho há anos e ainda assim acordar assustado, aliás, ele nunca teve outro sonho senão esse. Suspirou com um tom de lamento e permaneceu imóvel. Afinal, é o que compete a uma Gárgula, permanecer imóvel, aguardando petrificado até o dia do grande chamado para reaver tudo o que foi perdido, para viver a sua redenção.

segunda-feira, 8 de junho de 2009

2º Prêmio Literário Sergio Farina

AGORA É OFICIAL
A entrega do 2º Prêmio Sergio Farina ocorrerá no próximo dia 10 de Junho (Quarta - Feira) às 19:00.
No Centro Cultural José Pedro Boéssio
Ao lado da Biblioteca Pública de São Leopoldo.

Estou concorrendo na categoria Livre Prosa,creio que independente do resultado é uma boa oportunidade para escritores sairem de seus quartos e mostrarem seus trabalhos.

...e é bem por isso que eu acho que iniciativas assim não deveriam ser anuais.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Currículo Literário

Eu sempre travo quando vou falar sobre mim para estranhos. Naquele pequeno momento entre a frase "Pessoal vamos fazer silêncio, com a palavra o Fábio, que vai nos falar um pouco sobre ele" até o momento em que começo falar ocorre uma concentração monstruosa pra eu poder me fazer entender. E isso toma ares de tragédia quando tenho de responder à pergunta: "Diga-nos qual é a sua escola literária?" ou "O que te levou a escrever essas coisas todas?".Naqueles segundos de silêncio me vem a mente tudo, ou melhor, quase tudo o que poderia ser minha escola literária.Lembro das noites em que via Beethoven socando o teclado do meu computador porque a tecla Ctrl trava as vezes e ele não consegue tirar o som ideal dela.Alan Moore fica sentado à direita da minha cama me olhando e acariciando a vasta barba com sua mão crivada de anéis. Ele me dá medo.Dostoievski e Alan Poe jogam dados em um jogo que Neil Gaiman acabara de inventar, e ele mesmo serve a dose de vodka para quem perder o jogo.Tem um louco tocando baixo no meu roupeiro, e as vezes ele até canta Engenheiros do Hawai e Sonic Youth, mas na maioria das vezes ele fica só cantarolando. Charles Bukowski fica desenhando cavalos nas paredes enquanto Jack Kerouack jogado no chão fica revirando os olhos com um sorriso idiota no rosto. Geralmente dá briga quando as musas de Frank Miller aparecem.As criaturas que habitam as profundezas das escrituras de Tolkien urram debaixo da minha cama as vezes, mas só as vezes.Nessas noites eu vou puxando a minha coberta devagarinho sobre meu rosto e depois de estar coberto eu espicho a mão pra apagar a luz. Eu luto pra pegar no sono antes que apareçam os malditos heróis da Sessão da Tarde. Se Ferris Bueler chegasse a aparecer ninguém mais dormiria.
E então eu respiro fundo depois desses segundos de divagações e opto por dizer outra verdade, uma mais coerente. O fato é que eu já criava histórias antes da minha mãe me ensinar a ler e escrever, e agora resolvi escrevê-las para os outros lerem.Certamente isso não é o que se pode chamar de currículo literário, mas esses caras do meu quarto moldaram o que sou hoje. E isso também não quer dizer muita coisa.Só não quero que eles saiam de lá.Embora eu ainda tenha medo do Alan Moore.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

Jurássico

Já fazia 35 anos que Euclides havia perdido a confiança nos seus joelhos, achou irônico o fato de sua vida depender deles agora. Não sabia onde e nem em que época estava, tinha certeza somente de duas coisas: conhecia muito bem qual era a criatura que o perseguia e tinha que continuar a correr. Precisava chegar até as árvores, estaria seguro embaixo delas, e estava bem próximo a elas quando seus joelhos se renderam. Euclides conheceu o terror. Afinal um pterodátilo faminto apresenta um comportamento nada gentil ante a sua presa.
Euclides não pode comemorar a maior vitória de sua vida, pois descobriu da pior maneira que sua máquina do tempo funcionara.

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Alice

Já faziam seis horas que ela tinha acordado,nas últimas quatro horas ela analisou os prós e os contras decidindo se seria uma boa idéia acender a luz ou o mais prudente seria aguardar. A única certeza é que centenas de minutos já tinham se passado e nada havia acontecido. Resolveu agir por instinto, já que estava a uma hora e meia de pé ao lado do interruptor,não tinha como voltar atrás agora. Encostou suas costas e mãos na parede fria e úmida.
- Ok. Nada vai nos impedir agora. - Sussurrou ela pra si mesma sentindo-se confiante, pois não ouviu ninguém retrucar na sua mente.
Sua mão direita lentamente foi escorregando parede acima em direção ao interruptor de luz, ela já não sabia dizer se a parede estava realmente úmida ou era sua mão suando gelado. Aqueles míseros centímetros em busca do interruptor foram sua Via Crucis. Enfim o encontrou.
- Ninguém esta aqui, ninguém esta rindo de mim, ninguém esta me apontando o dedo, vou acender a luz e somente eu estarei aqui. - Pensou ela mexendo os lábios como se falasse para o mundo todo ouvir.
Empurrou o interruptor para baixo com toda a força como se ele tivesse o peso do mundo.
A luz acendeu e seus olhos se fecharam no mesmo instante tudo o que ela via eram borrões azuis e amarelos em um fundo roxo. Ela fechou os olhos com força e suas pálpebras espremiam seus olhos como se aquelas manchas coloridas pudessem ser extraídas de seus olhos tal qual uma esponja encharcada sendo espremida.
Ao passar o desconforto visual, começou a abrir seus olhos lentamente, ainda via borrões, mas não tão coloridos, os borrões começaram a tomar forma. E as formas revelaram uma garota à sua frente. Ela estava lá do outro lado do pequeno cômodo, e à medida que ela se aproximou da garota percebeu que na verdade ela estava diante de um espelho, nua. Com um olhar tímido e ao mesmo tempo surpreso, olhou para si, e para cada parte que admirava com ternura no espelho, a suas mãos tocavam no seu corpo. Seus olhos começaram a ficar turvos, ela gostaria que eles transbordassem de borrões coloridos e não de lágrimas.
Ela percebeu o quanto cresceu, o quanto mudou, quanto tempo passou desde a última vez que viu seu reflexo em um espelho. Ela cavou fundo nas suas memórias e a cena mais recente e nítida que ela pode encontrar, ela era uma garotinha, que falava com as paredes, que falava sozinha e com mais ninguém. Suas memórias ficaram confusas, e agora ela via homens e mulheres vestindo branco, que lhe traziam comida, água e comprimidos, lembrou-se de quantos dias e noites chorou com saudade dos pais, o quanto queria estar com eles, estar em seu quarto e não naquele, não suportava as vozes e gritos na sua cabeça, desejava fugir do medo. Até o dia em que sem querer, tocou o interruptor e apagou a luz, e viu como lhe caia bem a escuridão, parou de chorar, acalmou seu desespero, se as paredes daquele lugar não lhe davam atenção como os as paredes de sua casa, então era melhor não ve-los .Ela tomou a noite para si e a noite a acolheu. Até o dia em que aqueles que vestiam branco não lhe levaram remédios, e naquela tarde ela resolveu acender a luz.

A sua grande dúvida não era como foi que ela chegou ali, muito menos que lugar era aquele. Agora em sua mente não havia vozes nem risadas e nem gritos de horror ou gemidos de dor. Ela poderia ser algo novo, algo que nunca pode ser antes. A grande questão era, afinal, quem ela seria agora?

No tempo do Walkman

Aqueles que se opunham à sua passagem sangravam e se amontoavam no chão ao ouvir o brandir de sua espada. Sem misericórdia ele abriu caminho deixando um rastro de sangue e gritos de horror. Ele era a mão direita da salvação, a esperança dos homens, e naquele dia ele iria expelir todo o mal do mundo. Ao mesmo tempo em que ele buscava no meio da batalha o Senhor das Hordas Infernais ele também era caçado por aquele que trouxe terror e medo ao mundo. Os dois se avistaram, estavam próximos agora. Ele ergueu sua espada, o Senhor das Hordas empunhava algo parecido com um machado grotesco, eles gritaram juras de morte, correram ao encontro um do outro, se chocaram e a cena da batalha se desfez.
Ele abriu os olhos e no seu walkman um display de luz fraca dizia Low Batery. O guerreiro da espada a brandir era agora um desperto passageiro de um ônibus indo para o trabalho e se odiando por não ter pilhas reserva.

Mãe os ETs estão chegando. Corra pras colinas!

Conversando com uma colega sobre IPods e tocadores de MP3 em geral,achei que iria provocar algum riso com esse infeliz comentário:

- Na boa, eu tenho saudades do meu walkman.

Ela soltou aquele olhar de "Ah sim, sei muito bem o que tu ta falando".

- Tu lembra o que é um walkman né? - disse eu.

- Não lembro, na verdade acho que não sei do que tu ta falando.

Na sequência eu acabei com qualquer forma de diálogo que poderíamos ter.

- Guria, to com medo de ti, daqui a pouco teu dedo vai começar a piscar e tu vai começar a dizer: telefone, minha casa ( infeliz alusão ao filme E.T.), só um alienigena pra não saber o que é um walkman.

E lá veio a cara da "Ah sim, sei muito bem o que tu ta falando" de novo.

- Porra tu não viu o E.T. também?

- Não to entendendo merda nenhuma que tu ta falando! - Ela agora nervosinha.

- Mas...quantos anos tu tem. - eu com um pé no constrangimento já.

- 17.

- E ficou em coma até os 15?

- Ah vai sfd - disse ela deixando-me sózinho ao lado da cafeteira.


Então fica a dica rapazes,

ao falar com garotinhas não façam piadas que dependam de uma pitada de nostalgia pra ter graça.


E no princípio...

Comecei a pensar em algo legal para dar o pontapé inicial. Imaginei que a primeira postagem seria também a minha apresentação e deixaria claro a que me proponho vindo até aqui. Mas apresentações são desnecessárias e prefiro que esse blog não tenha propósito algum, assim como as conversas de bar que começam sem compromisso e acabam gerando universos e mundos paralelos indispensáveis. Então que seja assim. E esse é o início.