sábado, 27 de junho de 2009

Notas de um Corsário

Duas gotas de sangue no chão me encaram enquanto algumas outras caem, tingindo minhas botas de um vermelho púrpura.
O horizonte... Só devo encarar agora o horizonte, e nada vai me abater, nem mesmo o sangue que há em minhas mãos. Sangue de muitos homens e mulheres que agora já não lembro se eram bons ou ruins. Na verdade, não quero lembrar de mais nada, porque agora, estou voltando para casa.
Sem querer, desvio o olhar para o chão outra vez. Vejo que as gotas de sangue das botas uniram-se às gotas de sangue do chão, formando uma pequena poça de um vermelho,agora viscoso. A vaga lembrança de seu abraço, de seus olhos claros e de seu sorriso me faz fixar o horizonte.
O horizonte... Só devo encarar o horizonte, porque agora estou voltando para casa, e nada, nada vai me abater. Um vento úmido toca meu rosto, deixando meus olhos marejados. Desperto, movimento meus pés frios e adormecidos. O sangue no chão já não tem mais a minha atenção. O vento torna-se impetuoso, com ares de tempestade.
- Içar velas! - ressoa minha voz por entre mastros, botes e cabines vazias.
Ondas curiosas erguem-se ao meu redor e inclinam-se sobre mim, querendo saber quem é o tripulante condenado e solitário que corre pelo convés, içando velas nos pés de uma tormenta.
Ergo as velas enquanto ainda sinto minhas mãos que já estão tão frias e pálidas quanto meus pés. Parece suicídio? Não é. Eu só penso no seu afago. É desespero.
Por que eu miro o horizonte e só vejo trevas? Porque estou voltando para casa, e nada pode me abater. Sinto a fúria do vento, apontando-me o dedo, como se soubesse dos meus erros. Mantenho-me firme. Eu também me tenho fúria. Na noite passada, a tripulação caiu tomada de assalto. Todos dizimados. Vi a morte caminhando no convés, por entre gritos e lamentos. Ela sorriu para mim, um sorriso de até logo.
Olho para cima e vejo além da tempestade, pequenos raios de sol, fazendo pequenos ferimentos nas negras nuvens. Nasce um sorriso no meu rosto, o mesmo sol que doura as margens de praias brancas, de águas claras e calmas, que queima teu pé quando pisas descalça, que esquenta teu cabelo todas as manhãs quando abres a janela do teu quarto.
Estou gargalhando agora, enquanto ouço passos atrás de mim em meio à tempestade que perde sua força. Sinto a vida se esvair como um punhado de areia de minhas mãos, como uma vela acessa, lutando contra o vento. Sinto alguém do meu lado. Vejo aquele sorriso de até logo. Sinto uma mão em meu ombro. Olho mais uma vez para cima e vejo as turvas nuvens se distanciando dos raios de sol. Meu corpo desfalece, mas ainda estou sorrindo, porque sinto que finalmente estou chegando em casa.

Um navio avariado e solitário desliza por um mar de águas calmas sob um sol forte, com sonhos e anseios tatuados em suas velas rasgadas, com gaivotas disputando um banquete dependurado no timão. Agarro-me com unhas e dentes na nossa despedida, desejando que nossas vidas não se acabem como nas notas de um corsário.

Um comentário:

  1. bah fabio,obrigada pelo teu comentario no meu blog..eu ando meio parada mas assim que eu achar minnha alma eu te aviso...ahcoq ue deixei ela em algum buteco ou embaixo de alguma caixa de fosforo...beijsssss

    nata santejano

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